A outra face do mercado de previsão

Autor: David Hoffman Fonte: Bankless Tradução: Shan Ouba, Jinse Caijing

Desde as eleições nos Estados Unidos, o mercado de previsões tem estado no centro das atenções, tanto no campo das criptomoedas como na percepção da sociedade mainstream sobre as novas tecnologias financeiras.

Mesmo que o impressionante volume de negociações nas eleições americanas de 2024 tenha se tornado uma memória distante, com o início da temporada de futebol americano, o volume de negociações nos mercados de previsões continua a atingir novos recordes.

Como uma plataforma que permite aos usuários especular sobre eventos do mundo real, este tipo de produto está a desenvolver-se a uma velocidade impressionante. Os eventos populares atuais estão a receber uma atenção muito superior à normal - a política, o desporto e a cultura pop dominam o volume de transações nessas plataformas. À primeira vista, isso é realmente divertido.

Sob essa perspectiva, a tecnologia do mercado preditivo construiu um modelo de "finanças de entretenimento": os usuários podem especular livremente sobre qualquer evento da cultura pop que se torne um "tópico quente".

No entanto, esta tecnologia tem outro lado pouco conhecido - pode servir como um mecanismo de descoberta da verdade anti-autoritário, utilizando incentivos financeiros para combater o controle ditatorial. Os mercados preditivos são essencialmente "máquinas da verdade": sob a condição de que o mercado livre possa precificar a verdade, ele pode incentivar a verdade a emergir rapidamente, tornando-se o foco.

Se alguém dominar informações que não são conhecidas pelo público, prever o mercado pode permitir que eles aproveitem a arbitragem entre o que "sabem" e o que "o público reconhece". Como a precificação do mercado é determinada por transações marginais, contanto que a plataforma de previsão de mercado funcione de forma eficiente e não seja sujeita a censura, a "verdade marginal" do mundo poderá ser apresentada e transmitida com alta fidelidade.

Com esse pano de fundo, podemos ver claramente duas trajetórias distintas que a plataforma de mercado preditivo pode seguir:

1. Plataforma de especulação e jogo "financeiro de entretenimento" voltada para consumidores;
2. Plataforma de "verdade anti-autoritária" com capacidade de resistência à censura.

Todos os mercados de previsão podem ter duas características, e nessa dicotomia, podemos ver o antigo conflito entre a filosofia do cypherpunk e a experiência do usuário (UX).

Que tipo de plataforma precisamos realmente? Uma ferramenta que possa reduzir o número de cliques e facilitar aos usuários a aposta em grandes eventos? Ou devemos otimizar a experiência de acesso "sem permissão, resistente à censura", permitindo que os dissidentes sob regimes autoritários possam transmitir segredos ao mundo?

A verdade muitas vezes é desconfortável

O conceito distópico do "Ministério da Verdade" revela precisamente a importância que os regimes autoritários atribuem à "definição do verdadeiro e do falso" — eles desejam controlar a fronteira entre a verdade e a mentira. Esta é também a razão pela qual o governo não deve interferir na mídia e no jornalismo, e a liberdade de expressão é crucial para uma sociedade livre.

O mercado de previsões é a fusão entre "discurso" e "mercado": a qualidade e eficácia da sua plataforma dependem de a sociedade conseguir usá-la livremente como uma "plataforma de discurso".

Se só pudermos apostar nas vitórias e derrotas de grandes eventos através de plataformas de previsão, mas não pudermos prever os resultados de grandes eleições, então seu valor para a sociedade será severamente diminuído.

Os mercados de previsão não devem se tornar o Coliseu da Roma Antiga - apenas para entreter o público e desviar a atenção das realidades do império; mas devem se tornar um "coliseu global", onde nações soberanas e indivíduos possam competir em um palco de igualdade.

Talvez alguém diga: "David, não seja tão alarmista. Os estados soberanos não vão intervir nos mercados de previsão, isso é muito irrealista."

A história prova que a verdade traz punição

A WikiLeaks, como uma plataforma que conecta "verdade e indivíduo", nasceu no contexto de "a verdade sendo editada, filtrada e encoberta pela influência estatal". O conteúdo que os meios de comunicação tradicionais têm medo de relatar - ações hipócritas embaraçosas, eventos de mortes de civis, comportamentos inadequados das forças armadas - é apresentado diretamente ao público através da WikiLeaks.

Para reprimir o WikiLeaks, os Estados Unidos cortaram seu acesso bancário através de medidas de "supressão financeira". Graças a doações em Bitcoin, o WikiLeaks conseguiu manter suas operações. O Bitcoin e o WikiLeaks, juntos, representam "armas" para o indivíduo lutar contra a tendência autoritária do Estado.

Nunca devemos esquecer: os mercados de previsão são uma ferramenta para os indivíduos enfrentarem “estruturas de poder que estão muito além de suas capacidades”. Assim como as comunicações criptografadas, criptomoedas, redes privadas virtuais (VPN) e tecnologias de prova de conhecimento zero, estão se tornando um novo membro do arsenal dos modernos “indivíduos soberanos”.

Assim, durante o processo de adoção generalizada dos mercados preditivos pela sociedade, devemos garantir que estas ferramentas continuem a reforçar, e não a enfraquecer, o seu papel na "proteção dos direitos e da soberania individuais".

A verdade muitas vezes é desconfortável.

O mercado livre não pode existir sem liberdade de expressão.

Limites definidos arbitrariamente destruirão a credibilidade.

A história prova que dizer a verdade traz punições.

Um mercado sem o suporte da verdade acabará por cair em uma situação irrelevante.